Grande Otelo e Oscarito
Antes da minha ida ao Rio, a ideia central era assistir à mostra sobre Miles Davis no CCBB. Consultei o colega e crítico musical Antonio Carlos Miguel, para confirmar a mesa redonda no dia do encerramento da mostra, que será próximo 28 de setembro.
I LOVE JAZZ – Jon Faddis Quartet: bem humorado, o trompetista californiano que tocou com Charles Mingus e começou aos 15 anos com Dizzy Gillespie ganhou a plateia.
MILES - EM FAMÍLIA
Curiosamente os familiares afirmaram que não tiveram muitas recordações de Miles nesse aspecto.
Entre questionamentos sobre reclusão, abuso de drogas, a respeito do lado paterno Cherryl revelou:
“Não me lembro das coisas ruins, lembro de ir ao mercado comprar coisas que ele gostava de cozinhar. Lembro de cortar os pimentões coloridos, ele adorava cozinhar. Não era diferente dos pais da época. Era rígido como qualquer pai dos anos 60.” Cherryl também afirmou que uma das canções preferidas dela é Someday My Prince Will Come.
Ficou no ar, durante a conversa, a possibilidade de que a entrada de Erin na banda tenha sido um dos episódios fundamentais para quebrar o longo período de reclusão de Miles. Coincidência ou não, essa fase ficou marcada pela volta de Miles aos palcos e definiu um clima mais amistoso com a mídia, inclusive.
Vincent Wilburn (abaixo), o sobrinho, é fisicamente parecido com Miles (não chega a ser mais bonito), até mais parecido do que os filhos. Tem muito estilo e é considerado por muitos seu braço direito. Não à toa, hoje ele é o curador da obra do trompetista pelo mundo. Vincent também justificou que não teve uma aproximação familiar maior do que a aproximação musical.
E para mim, que fiquei de espectadora, a impressão que tive é que se já é difícil, para nós mortais, percebermos a emblemática personalidade de uma lenda, imagina para os parentes, entenderem Miles como ente querido. Acredito que seu lado familiar foi engolido pela lenda que ele mesmo construiu, o que é algo natural, diante de sua história intensa e decisiva para a Música, em diversos momentos. Que dia! Quase à noite, já não tinha forças para a mostra. Decidi retornar no dia seguinte.
MILES E OTELO: VIZINHOS POR UMA SEMANA
Otelo não atua, mas assina um roteiro ingênuo para os dias de hoje, chega perto do estilo de Woody Allen, sagaz para a época e, com outra estrela do humor: Oscarito vive Sansão, contracenando na foto acima com Eliana Macedo, que interpreta Dalila. Protagonizou cenas hilárias, não somente pelo tom humorístico, mas pela improvisação e genialidade ao interpretar uma adaptação de Otelo.
Esperava ver um filme que imitasse a Broadway, produções ingenuamente americanizadas, mas não. A versão de Otelo para Sansão e Dalila me pegou no pulo. E a exposição quase me pegou em lágrimas, de tão zelosa. Com arquivos de fotos, cartazes, vídeos com depoimentos de grandes colegas e críticos e algumas cenas imortais.
Quando fala-se de Otelo, há controvérsias? De repente sim, mas no meu caso considero nome e obra irresistíveis. Otelo teve reconhecimento internacional e merece o belíssimo resgate da casa. Creio que dei sorte, pois tive o prazer de poder ver isso tudo no último dia do “Festival Grande Otelo – Mostra de Cinema”. Coisas inexplicáveis na arte. Nunca sabemos se chamamos ou ouvimos seu chamado. Mas eu fui.
QUEREMOS MILES
“Reunindo filmes, documentários, instrumentos, partituras, objetos pessoais e obras de arte, a mostra é um tributo artístico para um dos mais importantes músicos do século XX.” – Centro Cultural Banco do Brasil.
Finalmente, não menos importante, ta aí o que a gente queria! Não vou, por aqui estragar surpresa. Uma coisa: dei sorte de escolher ter ido à mostra no Dia dos Pais. Não peguei tantos adolescentes barulhentos nem pseudo-intelectuais falando alto sobre tudo que viam pela frente. Gostei do silêncio dos sons de fundo, do espaço, gostei muito, de verdade. Recebi como um abraço de Pai.
Homônima ao disco de 1982 “We Want Miles”, frase que parece não só uma vontade, mas uma necessidade de resgatar, de ouvir, de homenagear. Os produtores, todos os envolvidos e, principalmente, o Set Design da mostra estão de parabéns.
Foi divertido ler documentos malcriados, ver fotos, documentários, roupas e telas com a trilha sonora da época ao fundo, além de histórias de instrumentos e capas de LP’s. É uma mostra polivalente. Uma viagem na dimensão de Miles. Interessa não só aos músicos em si, mas também amantes de Moda, Comportamento, Cinema. Para sociólogos, artistas plásticos, crianças e todo tipo de gente.
Miles era sofisticado sim. Falar de Miles é para poucos, e não me atrevo nesse sentido. Pensei durante o passeio que, de repente, o modo como ele pensava a música e ganhou o mundo, pudesse abrir caminhos para artistas de pouco apelo popular.
O fato dessa mostra estar no Brasil tem um significado a mais para mim. De que o povo merece música e obras de qualidade, com entrada franca, 24h no ar e sem contra-indicações. Pode parecer ingenuidade, sendo que alguns insistem em dizer que esse tipo de informação não chega às massas. Mas eu não subestimo. Chega para quem quiser receber, como um abraço.
Não dá para visitar uma única vez.
Porém, agora que já passou Dia dos Pais, se você for durante o fim de semana, provavelmente vai pegar um aglomerado pelos corredores - o que me irrita bastante. Provavelmente, vai ficar o dobro do tempo e ver metade do que poderia, quase que exclusivamente. Então programe-se para ir cada dia um pouco.
QUEREMOS MILES fica no Rio e, em seguida vai para São Paulo. Queremos Miles para sempre, vale demais! Encerrei o fim de semana morta mas feliz. Muito viva!
Viva Faddis, Viva Otelo e Viva Miles.
.: Serviço :.
Mostra
“Queremos Miles Davis – Miles Davis Lenda do Jazz”
Produção Original, Paris, 2009.
Local
Centro Cultural Banco do Brasil – CCBB
Endereço
Rua Primeiro de Março, 66 – Centro – Rio de Janeiro
Site CCBB
Twitter – CCBB
Facebook – CCBB
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